Texto enviado por Júlio César Rolim
Conta-se que certa vez o diabo, em uma de suas visitas ao céu, foi ter com Deus. Logo na sua chegada encontrou-se com o arcanjo Gabriel que ao rever satanás foi logo dizendo:
- Lúcifer, e aí veio pedir arrego?
- Não preciso de arrego de ninguém. No final a vitória será minha! - Respondeu triunfante o diabo.
- Como vai o inferno? Mudou? Ou o movimento continua fraco? - Indagou ironicamente Gabriel.
- O inferno vai muito bem, obrigado, toda noite tem churrasco. Adivinha de quê?
- Agora já estão assando os demoninhos? Só se for.
Satanás continuou seu caminho pelo paraíso a procura do Todo-Poderoso, nesse meio tempo cruzou com muita gente, Gandhi, Luther King, Malcolm X, João Paulo II, Chico Xavier, cada personalidade que via aumentava sua indignação com as regras do jogo.
Depois de algum tempo procurando, o demônio finalmente encontrou Deus, Ele estava num parquinho brincando na companhia de várias crianças.
- Que cena ridícula, você me causa náuseas - Disse o diabo aproximando-se de Deus.
- Você e o seu incomparável mau humor! Será que jamais irá mudar?
- Sabe a resposta. Sabe de tudo - Falou satanás, sentando-se em um balanço.
- É Verdade, sei mesmo. Devia conviver mais com crianças, são excelentes companhias.
- Acho-as uma chatice, graças a Você não existem crianças no inferno. - Disse o demônio com certo alívio.
- Não veio aqui para falar de crianças. O que quer? - Perguntou o Senhor sabendo da resposta.
- Vim desafiá-lo - Disse empolgado o príncipe do inferno.
- Você nunca desiste.
- O eterno duelo entre o bem e o mal.
- O tabuleiro continua no mesmo lugar. Vamos. - Convidou o Todo-Poderoso.
Os dois saíram e foram até a sala do trono, lá estava montado um imenso tabuleiro de xadrez no qual as peças estavam postas, mas não na posição inicial, o jogo parecia já ter começado. Deus sentou-se do lado das pedras transparentes, enquanto satanás acomodou-se próximo às peças multicoloridas.
- É a sua vez. - Disse Deus.
- Já sei, deixe-me pensar um pouco. - Respondeu o diabo.
- Há décadas que você pensa, pensa e nada de jogar - Brincou Deus.
- Continue ironizando, quando tiver levado um xeque-mate não brincará mais. - Respondeu Lúcifer estralando todos os dedos.
O diabo deu um leve sorriso, pegou no cavalo, olhou para Deus, ergueu a peça, contudo, de repente, ficou sério recolocando a peça no mesmo local.
- Peça tocada é peça jogada. - Lembrou Deus.
- Ora, quantas vezes Você me deixou fazer isso? Não será a primeira vez. - Falou o diabo.
- Sempre tentando trapacear, porém todos merecem uma segunda chance, inclusive você, pode tentar de novo. - Aceitou o Pai.
- Andando pela terra, encontrei um homem que se diz fiel a você…
- Existem muitos - Interrompeu Deus.
- Esse é diferente. É íntegro, reto, religioso, caridoso, quase não peca. - Continuou o demônio.
- Que ótimo! É exatamente desses que precisamos. - Afirmou o Criador.
- Não acredito que tenha firmeza, veja bem, ele tem uma ótima família, mulher, filhos, dinheiro, amigos, tudo. Deixe que eu toque nele, verá que não perseverá. - Argumentou o diabo, a sua voz soava com um desejo ardente.
- Já vi esse filme, você também. Não quero outro Jó. Não considero justo fazer tudo aquilo com um único homem. - Disse Deus olhando nos olhos do satanás.
- Mas já fez. - Provocou o demônio desviando o olhar.
- Eu sei, mas não farei de novo. Na verdade, acho que aquela não era a hora de mover o bispo. - Falou convicto o Senhor.
- Mas…
- É a sua vez. - Cortou Deus.
- Entendi. - Disse o demônio baixando a cabeça.
Depois disso estendeu-se um longo silêncio, horas, dias, não se sabe quanto tempo exatamente perdurou, foi Deus quem o quebrou.
- Sabe aquele seu estereótipo? Rabo, chifres. Acho muito engraçado, estou até pensando em torná-lo do jeito que lhe pintam - Brincou Deus.
- E como eu andaria no meio dos homens? - Lembrou Satanás.
- Seria confundido com um boi. - Falou Deus dando uma grande gargalhada.
- Não suporto seu senso de humor. - Queixou-se o demônio.
- Por isso você é o diabo e eu Deus.
- Fui criado por Você, se sou assim a culpa é sua. - Provocou o diabo.
- Negativo, você também tem livre-arbítrio, eu o criei, mas você tornou-se o que quis. - Corrigiu o Senhor.
- Maldito livre-arbítrio! Todos fazem o que querem, não posso apossar-me de ninguém. O pior é que existe gente que vive dizendo que sou responsável por toda maldade dos homens, "foi o demônio", "ele estava possuído", povo sem imaginação. Você deveria me dar mais poder, pelo menos assim essas criaturinhas teriam razão para falar..
- Que é isso, agora vai ter crise de depressão? Você é importante. Já pensou se ninguém tivesse medo de você e do inferno? - Consolou Deus.
- Que bela jogada acabei de ver! Duvido Você sair dessa. - Disse confiante o capeta enquanto movia uma torre.
- Fez uma boa jogada. - Elogiou Deus.
- Graças a Deus! - Empolgou-se satanás.
- A mim não! - Esclareceu o Divino.
- Força de expressão. Ei, eu estava pensando. Lembra-se do dilúvio? Legal, sem dúvida a melhor coisa que já fez. Por que não faz de novo? - Perguntou o demônio.
- E quebrar a aliança que fiz? De jeito nenhum. - Reprovou Deus.
- Tudo bem, esqueça a água. Use fogo, vento, qualquer coisa. - Provocou Lúcifer.
- Não acho interessante.
- Mas você prometeu - Cobrou o diabo.
- Eu?! - Espantou-se Deus.
- Sim. O apocalipse. - Disse o diabo em tom de vitória.
- É uma boa leitura. João é um dos meus autores preferidos. Você acha que eu destruiria minha melhor obra? Sabe, ao invés de ter essa inquietação com as pessoas, deveria preocupar-se com seu rei, pois ele está em xeque. - Disse Deus movimentando um simples peão.
- Impossível! Minha jogada foi perfeita. - Irritou-se o demônio.
- Não chore, jogue. - Provocou Deus.
- Tenho muito tempo, arriscar agora é muito perigoso. Vou embora, mas volto, esse jogo não vai acabar assim.
Dito isto o diabo desceu para o inferno a fim de estudar uma jogada para sair do xeque em que Deus o colocou.
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