domingo, 9 de agosto de 2009

FILHOS, PAIS E XADREZ

Filhos, pais e xadrez
  Postado em Wed 29 Apr 2009 por muniz555 (324 acessos)
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Frank Mayer
Enxadrista de origem alemã,
residente em Barcelona.
Catalunha, Espanha


Por que muitas carreiras acabam como um drama familiar?

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Filhos, pais e xadrez

Uma combinação explosiva, que originou gênios incríveis, foi responsável por triunfos grandiosos e já provocou mares de lágrimas.

Muitos psicólogos estão seguros de que a fascinação pelo xadrez não pode ser explicada, de maneira nenhuma, sem a temática "pai – filho".

Deixemos bem entendido que não existem investigações realmente sérias sobre este tema, mas alguns esboços, uma mistura de meia verdades, especulações vivazes e observações acertadas.

Open in new windowO tema começa com o decano da psicologia moderna, Sigmund Freud (1856-1939), cujo pai, por certo, passou mais tempo nos cafés jogando xadrez do que em sua casa com a família. Formulou sua tese da rivalidade entre pai e filho, que culmina nas fantasias do assassinato e da "posse" sexual da mãe.

Seguramente esta tese deve ter seu fundamento.

Agora, por que Freud escolheu expressamente o pobre Édipo para denominar este complexo, é confuso: Édipo é qualquer coisa, menos "edípico": matou seu pai por engano, não tinha a mínima ideia de que o prêmio da vitória fosse sua mãe e, uma vez esclarecidas ambas circunstâncias, castigou-se terrivelmente furando os próprios olhos.

Assim, pois, Édipo não foi "edípico", mas, segundo diversos teóricos, um jogador masculino problemático.

Se, além disso, se adiciona uma pitada de misticismo sexual, a coisa fica quase "redonda":

Ali está o rei inimigo, com poucos movimentos, a quem se deve matar, acompanhado por uma rainha prepotente (ou demasiado poderosa), que se sacrifica como "mãe" num caso de emergência para salvar a vida do monarca e tirar a vida do (rei) contrário. Ali está a conversão do pequeno peão (=menino) na peça (ou figura) prepotente (demasiado poderosa?) da mãe.

Open in new windowPode-se interpretar, também com um pouco de fantasia, o símbolo fálico na figura (ou peça) do rei.

Mas não vos preocupeis: não queremos trazer a este lugar uma discussão especializada em psicanalismo, mas contestar às perguntas com outras perguntas.

As teses antes citadas talvez pudessem explicar a motivação e o interesse dos filhos pelo xadrez, mas não a motivação dos pais por ensinar a seus filhos o xadrez.

Se tivessem que se ater a esta tese e à experiência do drama grego, em princípio, os pais jogadores de xadrez deveriam deixar seus filhos abandonados numa praia próxima, se lhes surpreendessem com um rei na mão.

Mas não. O que fazem estes "tios" tontos, que deveriam sabê-lo bem porque eles mesmos tentaram uma vez, empurrados pelos desejos edípicos em relação à mãe, matar o próprio pai no tabuleiro?

Pois tiram um tabuleiro de xadrez do armário e ensinam seus filhos as técnicas que, um dia, significarão a morte do pai, sua própria morte…!

Mas antes de mergulharmos nas profundidades da alma, ficamos com a vida diária de um pai enxadrista e perguntamos:

O que há por trás da relação pai-filho no xadrez?

Quase todos os pais, em alguma oportunidade, são presas de um afã missionário. Acontece igualmente se tem o título de mestre, se é "só" um forte jogador de clube ou se concorre pela sétima equipe numa liga estadual.

Se joga xadrez e tem filhos, deve ensinar-lhes o xadrez.

Open in new windowPorque, afinal de contas, os jogadores de xadrez sabem que a dedicação ao jogo dos reis fomenta a capacidade de concentração, o pensamento analítico, o espírito combativo e quase tudo o que idealmente se pode e quer impulsionar ou ativar numa pessoa.

Além disso, é um esporte para "tios" autênticos: mais masculino (ou macho) do que o futebol, e também para gente alheia a um corpo de sonho, uma dedicação (ou trabalho mental) com um risco relativamente reduzido.

Masculino? Por certo: É o único esporte no qual dois homens se ocupam de uma mesma coisa e o fazem consigo mesmos, sem abrir a boca nem uma só vez.

Um regulamento claro, uma coisa clara: manter fechada a boca e deixar falar os fatos, mimar o próprio ego e destruir o do adversário – trabalho de homens desde os trogloditas, quando brigavam por uma mulher.

Em consequência, é o xadrez uma espécie de rito viril? É a primeira partida com o pai um rito de iniciação?

À princípio, tudo isto soa tão aventurado e discutível como a tese de Édipo.

"Mas tudo é muito simples", disse-me um amigo enxadrista, pai de um filho muito exitoso nos torneios: "Tudo o que se experimenta como uma alegria neste jogo, quer-se transmitir ao filho. Nada mais."

Nada mais? Não está em jogo também um pouco de ambição?

Talvez que o filho deva atingir o que ao pai lhe tenha sido negado?

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O que se passa com o pai do jovem Fresh, interpretado pela estrela de Hollywood Samuel L. Jackson, no filme de mesmo nome "FRESH", quando esbofeteia seu filho durante umas partidas de "Blitz", pronunciando as "sabedorias da vida", enquanto – sempre com uma mão suave – está dando mate ao filho e, desta maneira, fortalecendo a superioridade do pai?

É só Hollywood ou também um pouco de realidade?

Está certo, o pai de Fresh está desempregado, fracassou em sua profissão e casamento, vive de maus modos numa caravana e bebe. Mas onde começa o exagero típico dos filmes?

Quase todo pai deseja grandes coisas para seu filho. E, se ama o jogo de xadrez e acredita notar um verdadeiro talento no filho, então resultará numa relação muito complexa – com um final totalmente imprevisível.

Durante algumas enquetes entre meio milhão de pais, cujos filhos jogam xadrez, formularam-se as seguintes perguntas:

1 .O que acontece em seu interior quando seu filho está jogando uma partida de torneio?
2. Você acredita que seu filho está treinando bem, ou poderia fazê-lo melhor?
3. Você acredita que os pais podem ser bons treinadores?
4. O filho deve ganhar as partidas para seu pai?

Não queremos importunar com as respostas, mas terminam nas seguintes conclusões:

O fator do sucesso: A sinceridade

Open in new windowVerdadeiramente somos nós, os pais, que, traumatizados por um complexo de Édipo, fracassados na vida e consumidos pela ambição, convertemo-nos em uns monstros, que abusam de seus filhos para dar brilho ao próprio ego maltratado?

Não! Isso não o somos!

Ao menos, a maioria de nós. Mas há outros pais a quem observamos durante alguns torneios e que os organizadores conhecem de sobra. Este tipo de homem costuma arruinar não somente seus próprios filhos, mas também o estado de ânimo de qualquer equipe de árbitro.

Por certo, prefiro não ser um pai enxadrista que intervém com frequência, quando esta espécie de homem censura seu filho durante uns 30 minutos, diante de todos, por ter deixado escapar um adversário mais fraco mediante uma situação de afogado.

Na melhor das hipóteses, um pai com um alto grau de alcoolismo produz, ao final, um jogador exitoso. Mas provavelmente produz também um alma danificada.

Esta não deve ser a meta para nós, os pais que queremos combinar o sucesso com o compromisso enxadrístico.

Desde logo, queremos ver nossos filhos vencendo, alegramo-nos por suas vitórias e por ver seu nível de jogo em crescimento.

Inclusive, à nossos olhos, com um pouco mais de empenho, poderiam obter mais sucesso.

Não obstante, o mais importante para nossos filhos é que tenham sucesso na vida: devem estar sãos de corpo, mente e alma – e o xadrez deve contribuir para isso, e não servir como obstáculo.

Corresponderemos a estas pretensões da melhor maneira possível, se formos sinceros também diante de nós mesmos.

Como numa partida de xadrez:

- a esperança e o otimismo são importantes
- uma vontade firme de ganhar e uma disposição de esforço são úteis.

No entanto, é decisivo analisar, sinceramente e sem tabus, a posição, separar as esperanças das possibilidades e não tratar de atingir o impossível.

O xadrez: Um jogo com risco

Da mesma forma, não podemos saber finalmente que efeito causaremos ao conduzir nossos filhos em "nossa" direção correta.

Apesar de todo o planejamento e apesar de todos os esforços, o xadrez continua sendo um jogo, com uma infinidade de variáveis desconhecidas e uma saída em aberto.

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Talvez o melhor seja ver o xadrez como ele é:

- um jogo
- um jogo sério
- talvez o mais bonito do mundo
- mas certamente "só" um jogo .


Frank Mayer - Revisado por Joan Canal
Barcelona, Agosto de 2006

Fonte literária: Jörg Sommer

Nota do revisor:

A todos os interessados em aprofundar-se nas questões que Frank propõe, recomendo-lhes Psicologia do jogador de xadrez, de Reuben Fine, publicado na Coleção Escaques em 1974. Consta-me que é um livro especialmente odiado por muitos enxadristas, já que não contém uma só partida, nem um só conselho para jogar melhor (ficam advertidos). Lembro-me de amigos que o compraram com a esperança de melhorar sua psicologia competitiva e tiveram uma decepção considerável.

Não obstante, para ter uma visão de alguns dos impulsos que moveram e movem os enxadristas em geral e aos campeões do Mundo em particular, este livro dá muito o que falar e pensar. Isso sim, convém lê-lo com uma mentalidade aberta.

Torna-se mais interessante pelo fato de que o Mestre Fine concorda com algumas das teorias de Frank, mas discorda em outras, o que converte este livro num excelente aprofundamento / ampliação a respeito de todos problemas. Também contém uma interessante bibliografia relativa às relações entre psicologia (sobretudo do tipo psicoanalítico) e xadrez, ou temas mais detalhados, como por exemplo as psicoses de Morphy, Steinitz ou Capablanca.

Finalmente uma interessantíssima reflexão de Reuben Fine:

"Observei que são muito poucos os enxadristas experientes cujos filhos se destaquem por sua destreza no jogo: subconscientemente, o pai não permite que se cumpra a identificação.

Joan Canal, Mestre Catalão
Barcelona, agosto de 2006

Publicado originalmente no site TablaDeFlandes.com.
FONTE: http://www.torre21.com/modules/articles/article.php?id=104


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