Por Taís Julião
Entre as muitas formas possíveis de apresentar nossas impressões em relação a algum acontecimento escolhi a crônica por diversas razões e um sentimento – já que este último não é dado muito a razão. Falarei agora sobre elas e sobre ele também.
O primeiro e principal motivo é o conteúdo que desejo transmitir a vocês, leitores e possivelmente a maioria enxadristas. Hoje toda a informação que nos chega é caracterizada pela síntese e por uma imparcialidade de quem escreve. Não é possível ver a cor dos olhos, muito menos imaginar o esmalte que colore os dedos que digitam – sim, a caneta Bic e o lápis foram deixados de lado -, quando ansiosos por informação nos dirigimos a algum veículo de comunicação.
No entanto, meu objetivo aqui é transmitir a vocês o que aconteceu neste último fim de semana, mais precisamente da noite de sexta-feira, dia 17 de agosto – mês que provou não ser nada de desgosto, como reza a sabedoria popular -, até a tarde de domingo do dia 19. E o que aconteceu lá não será compreendido em sua magnitude se escrito com a imparcialidade dos jornalistas. Aqui escrevo mais do que nunca como enxadrista. E o rigor da técnica não será cobrado de mim, tenho certeza.
E saibam que a cidade litorânea de Santos, palco de toda a festa, não estava nem ensolarada, pelo contrário: fazia um friozinho danado, daqueles que decepcionam qualquer caipira que brilha os olhos quando visualiza o mar. E nem isso atrapalhou. O clima que prevalecia era uma contagiante expectativa das atividades prometidas para o fim de semana. E aí entra outra razão de eu ter escolhido a crônica para narrar a vocês o que aconteceu por lá.
A programação estava disponível na Internet fazia algum tempo. Todos os nomes que iriam passar por ali eram conhecidos (inclusive o meu, vejam só vocês). Mas só estando lá para saber o quando aqueles nomes imparcialmente colocados em uma programação iriam fazer naquele espaço do SESC, local designado para a realização das atividades.
Já na sexta-feira, logo no primeiro dia, tivemos o que considero o momento mais glorioso do evento: a instituição do Dia Nacional do Livro de Xadrez, a ser comemorado anualmente no dia 17 de Agosto. Esta iniciativa não só preserva como constrói a memória do xadrez brasileiro, já que embora a Internet se apresente como ferramenta insubstituível para os enxadristas, é o livro que guarda a subjetividade e a pessoalidade dos enxadristas-escritores, é lá que está o pensamento enxadrístico além anotações algébricas e gráficos e números que o Fritz facilmente calcula, mas que contém em si um significado misterioso que só os números sabem transmitir. No livro está contido um esforço intelectual não só de execução, mas de compreensão, de fazer-se entender e mais que isso, de ensinar e aprender. Por mais “antiquada” que a idéia de um Dia do Livro de Xadrez pareça em meio de notebooks e laptops, isso representa um grande avanço para o xadrez brasileiro, que assim vai preenchendo espaços cada vez mais amplos na cultura brasileira, incorporando a dimensão de cultura enxadrística tão comentada durante todo o evento.
A cultura enxadrística de que falo é aquela que não resume o jogo de xadrez a pura e simples competição. Claro que as partidas e seus resultados são partes fundamentais, porém não é essa a motivação exclusiva de nossa verdadeira convicção da importância do xadrez. E foi justamente essa percepção que permeou todas as palestras.
O xadrez escolar de Luiz Loureiro é ferramenta de reflexão, e o objetivo é formar crianças pensantes, críticas e cidadãs em última instância. Isso porque aprender a jogar xadrez é aprender a respeitar o outro e a si mesmo, nossas limitações, nossas superações. Assim sendo, o professor de xadrez tem papel duplo: criar estratégias de ensino que seduzam e estimulem os alunos a jogar xadrez e mais importante, que o aprendizado do jogo de xadrez não seja somente pelo jogo, mas por tudo o que ele pode proporcionar na formação humana de cada pessoa.
Já Horácio Prol, atual presidente da FPX, buscou mostrar que organização e planejamento são necessários para administrar o xadrez no país, seja em nível de competição ou escolar. Não podemos virar as costas a tudo o que o xadrez alcançou em termos de estrutura organizacional no Brasil e no mundo, e este é um aspecto importante para que a importância do xadrez seja reconhecida pelos diversos setores da sociedade. O organizador de toda a festa, o enxadrista e escritor Rubens Filguth nos agraciou com uma pesquisa impecável sobre a influência do xadrez em diversos aspectos da nossa cultura, especialmente na arte – cinema, literatura e pintura. O xadrez apresentado por Filguth é aquele que estimula nossa capacidade crítica e desenvolvimento intelectual, que nos permite aprender sempre mais sobre o mundo e as pessoas, conhecer lugares e histórias, e daí sua importância enquanto jogo, esporte, ciência e arte.
As intervenções do MF Carlos Sega, do MI Luís Coelho e do GM Gilberto Milos caminharam na mesma direção: reforçar que o jogo de xadrez exige técnica e estudo sim, mas que estas são tarefas possíveis e acessíveis a qualquer um, desde que feitas da maneira correta e com objetivo. A presença destes fortes jogadores de renome internacional demonstra não só um lado importante do jogo de xadrez, que é a competição, mas também que não é só isso que prevalece, por isso a presença de nomes tão importantes em um Congresso Brasileiro de Cultura e Xadrez. Henrique Marinho, por sua vez, nos apresentou dados importantíssimos sobre o estado da arte do livro de xadrez no Brasil, uma pesquisa séria e que certamente será de grande valor para embasar não só as políticas de publicação no país, mas também para reforçar definitivamente a importância do Dia Nacional do Livro de Xadrez.
Bem, quanto a minha participação, minha humildade e inexperiência não me permite escrever muito, basta dizer que foi uma honra, em primeiro lugar, estar junto a estas pessoas que realmente gostam de xadrez e desejam seu desenvolvimento no Brasil. Meu tema foi o xadrez feminino, minha menina dos olhos. Mais do que explicações, esclareci a proposta do Blog Xadrez Feminino no Brasil: incentivar e desenvolver o xadrez feminino. Ter este espaço para abordar este assunto é uma grande conquista para o enxadrismo brasileiro, especialmente para as mulheres que o praticam. As impressões, não sou eu que as comentarei.
O Fórum Xadrez Escolar contou com a participação ativa do público – em média 30 pessoas, chegando ao pico de mais de 50 em determinados momentos, composto de professores, pais, técnicos, treinadores, professores de educação física, psicólogos, pedagogos, aficcionados, entre outros, de várias localidades do Brasil. A discussão foi séria e interessada, e novas propostas surgiram para incentivar o xadrez escolar no Brasil.
O detalhe – e a magia -, de todo evento é que aconteciam diversas atividades simultâneas, como exposição de pinturas, de livros, além de mais uma etapa do Circuito 21 minutos da FPX e um torneiozinho escolar – pelo menos essa era a expectativa, que ele fosse “inho” e não “ão” como foi, que o diga Horácio Prol, que se viu rodeado de um batalhão de crianças gritando simultaneamente “Tio! Tio!” -, com 260 crianças! No total, o SESC recebeu 500 pessoas que ali estavam pelo xadrez. No domingo, a novidade teórica com dupla exclamação: um torneio entre pais e filhos, com 20 duplas inscritas, e uma verdadeira demonstração de que xadrez não se resume a peças, tabuleiros e relógios.
O que vi neste fim de semana, caros leitores enxadristas, é que o xadrez está vivo, e que no Brasil há um espaço amplo e diverso para trabalharmos a modalidade. E o sentimento que mencionei logo no início do texto é este: o xadrez é importante, sim. E somos nós, enxadristas e amantes do xadrez, que podemos e devemos reforçar essa importância, por meio de iniciativas como essas e tantas outras que certamente surgirão após este evento. Sentimento de alegria em ver o xadrez valorizado por tudo que ele representa: esporte, arte e educação.
Parabéns a todos que fizeram da idéia uma realidade. E aguardem a segunda edição.
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